Como ensinar as irregularidades ortográficas
A ausência de regras ortográficas para algumas
palavras faz com que as crianças (e muitos adultos) tenham dúvidas sobre
como escrevê-las. A consulta ao dicionário e a produção de cartazes
ajudam a turma a aprender como usar as grafias corretas com segurança
"O omem saiu de caza e foi pacear de ônibus pela sidade."
Essa frase, cheia de erros ortográficos, causa estranhamento para
muitas pessoas, mas certamente não para você, professor. Muitos alunos
já escreveram coisas parecidas, não?
Mesmo trabalhando as regras
de ortografia, como as que determinam o uso de R e RR, a turma continua
grafando alguns termos de maneira equivocada. Natural. A Língua
Portuguesa tem muitas palavras que não obedecem a nenhuma regra.
A
regularidade existe quando é possível prever a escrita de um termo sem
nunca tê-lo visto graças a normas que se aplicam a todos ou a muitos
casos - como ocorre com o uso do R em "carro". Já os termos irregulares -
definição de Artur Gomes de Morais, da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), no livro
Ortografia: Ensinar e Aprender -
têm sua escrita justificada apenas pela tradição do uso ou pela origem
das palavras. É o caso de "passear" e "casa", que aparecem no início
desta reportagem, e de outras mais, como os casos a seguir:
- Som de S: Seguro, cidade, auxílio, cassino, piscina, cresça, giz, força e exceto.
- Som de G: Girafa, jiló, geração e jeito.
- Som de Z: Zebra, casa e exercício.
- Som de X: Enxada e enchente.
- H inicial: Hora, homem e hino.
- Com disputa entre E e I e O e U em sílabas átonas que não estão no fim: Violino (que pode ser confundida com
veolino), seguro (
siguro), bonito (
bunito) e tamborim (
tamburim).
- Com disputa do L com o LH diante de certos ditongos: Julho (que pode ser confundida com
julio), família (
familha) e toalha (
toália).
- Com alguns ditongos da escrita, que modificam a pronúncia: Caixa (que pode ser confundida com
caxa), madeira (
madera) e vassoura (
vassora).
Com
a aprovação da Nova Reforma Ortográfica, que entrou em vigor em 2009,
novas dificuldades surgiram. A exclusão do trema e do acento agudo em
alguns casos, por exemplo, pode confundir quem está aprendendo a
escrever. "As crianças vão questionar, por exemplo, por que 'frequente' é
falado de um jeito e 'quente' de outro, mesmo ambas tendo a mesma
grafia. Para aprender a forma correta, elas terão de memorizar", explica
Beth Salum, doutora em Filologia em Língua Portuguesa e professora da
Universidade de São Paulo (USP).
Para ajudar a turma em tarefas
como essas, nem pense em solicitar que escrevam repetidamente uma lista
de palavras. Também não adianta planejar ditados - eles são úteis para
avaliar o que está sendo aprendido, não para ensinar algo que ainda não
se sabe. Existem duas atividades permanentes específicas para explorar
bem a questão das irregularidades com os estudantes e ensiná-los a
escrever com segurança e autonomia.
Consulta ao dicionário
Oportunidade
para os alunos que já conhecem a ordem das letras no alfabeto
compreenderem como o material é útil para informar a grafia correta das
palavras e também para aprenderem a consultá-lo mesmo sem saber como se
escreve determinado termo. Nessa atividade, o importante é a frequência
de propostas. Quando as crianças buscarem por "omem" e não encontrarem,
provavelmente dirão que a palavra não existe no dicionário. "Esse é o
momento para o professor perguntar de que forma os colegas procuraram o
termo e se aquela é a única sugestão de como ele pode ser escrito", diz
José Carvalho, professor do curso de Letras da Universidade Federal de
Sergipe (UFS). Esse foi o procedimento adotado por Luciene Carvalho
Andrade, professora do 3º ano da EM Martha Drummond Fonseca, em Nova
Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. "Fiz o mapeamento
ortográfico levantando as palavras que eram grafadas de forma errada e
pedi que a classe as buscasse no dicionário. Conforme a procura era
feita, discutíamos as possibilidades de escritas até encontrá-las", diz
Luciene
(leia a atividade).
Outra possibilidade é a consulta aos dicionários eletrônicos ou online.
Eles oferecem sugestões de correção para a maioria das palavras
digitadas equivocadamente. Essa facilidade não invalida o trabalho em
sala. Sua missão nesse caso é fazer com que os estudantes percebam o
erro e ganhem agilidade. Além disso, muitos oferecem a origem
etimológica dos termos buscados, o que, na maioria das vezes, ajuda a
compreensão da grafia convencional.
Elaboração de cartaz Momento
de organizar um material de consulta com palavras irregulares
recorrente. É uma ferramenta útil para memorizar e para firmar
combinados com os alunos sobre quais erros não podem aparecer mais nas
produções deles a partir de certo momento
(leia a atividade).
A organização das palavras pode ser feita de várias maneiras. "É
possível elencar em ordem alfabética ou separá-las em categorias, como
animais e cores", diz Luiz Cagliari, professor da Universidade Estadual
Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), campus Araraquara. Edivânia
de Souza, professora do 3º ano na Escola Projeto Vida, em São Paulo,
ajudou os alunos a elaborar esse recurso de acordo com o tipo de
irregularidade. "À medida que eles reconheciam termos que fugiam às
regras, registravam no cartaz. Ficou claro que o H inicial ocorria
somente em alguns casos e que eles tinham de ser memorizados", ela diz.
Um pouco de teoria
Por que homem se escreve com H
A palavra vem do latim hominem e, por uma questão de tradição, o H se mantém.
Por que família termina em "lia" e quadrilha em "lha"
Família vem do latim familia. Já a grafia de quadrilha tem influência do espanhol, em que o termo era escrito quadrilla. Por ter o som parecido com LH, a leitura foi transferida para a grafia em português.
Por que jeito é grafado com J e gente com G
Jeito vem do latim iactus (ou jactus), mas também já foi escrito com G. Reformas ortográficas modernas fixaram a grafia com J. A palavra gente vem do latim gentem.
Por que passeio é grafado com SS e não COM C, como parceiro
Passeio vem do latim passus e manteve o SS. Já a palavra parceiro vem do latim partiarium e no século 14 era traduzida como parçaria. Com o tempo, o termo se modernizou até virar parceria.
Fonte: http://revistaescola.abril.com.br/lingua-portuguesa/pratica-pedagogica/como-ensinar-irregularidades-ortograficas-621825.shtml