O problema dos CAMELOS
Um herói fictício matemático árabe chamado Beremiz Samir. Tudo se passa na época em que os matemáticos árabes eram os melhores do mundo, por volta do século X.
Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista. Encontramos, perto de um antigo caravançarã meio abandonado, três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos. Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:
- Não pode ser !
- Isto é um roubo !
- Não aceito !
O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.
- Somos irmãos – esclareceu o mais velho – e recebemos, como herança, esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos e a cada partilha proposta segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça parte e a nona parte de 35 também não são exatas?
- E muito simples – atalhou o Homem que Calculava. – Encarrego-me de fazer, com justiça, essa divisão, se permitirem que eu junte aos 35 camelos da herança este belo animal que, em boa hora, aqui nos trouxe!
Neste ponto, procurei intervir na questão:
- Não posso consentir em semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem, se ficássemos sem o camelo?
- Não te preocupes com o resultado, ó bagdali! – replicou-me em voz baixa Beremiz.
- Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.
Tal foi o tom de segurança com que ele falou, que não tive dúvida em entregar- lhe o meu belo jamal, que, imediatamente, foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.
- Vou, meus amigos – disse ele, dirigindo-se aos três irmãos – fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora como vêem, em número de 36.
E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:
- Deverias receber, meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metadede 36 e, portanto, 18. Nada tens a reclamar, pois é claro que saíste lucrando com esta divisão!
E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:
- E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.
E disse, por fim, ao mais moço:
- E tu, jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é, 3 e tanto. Vais receber a nona parte de 36, isto é, 4. O teu igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!
E concluiu com a maior segurança e serenidade:
- Pela vantajosa divisão feita e mãos Namir – partilha em que todos sairam lucrando – couberam 18 ao primeiro, l2 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34. Dos 36 camelos, sobram, portanto, dois. Um pertence, como sabem, ao bagdali, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido, a contento de todos, o complicado problema da herança!
- Sois inteligente, ó Estrangeiro! – exclamou o mais velho dos três irmãos. – Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e eqüidade!
E o astucioso Beremiz – o Homem Calculava – tomou logo posse de um dos mais belos "jamales" do grupo e disse-me, entregando-me pela rédea o animal que me pertencia:
- Poderás agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo manso e seguro. Tenho outro, especialmente para mim!
E continuamos nossa jornada para Bagdá.
Trecho extrído do livro: O Homem que calculava – Malba Tahan
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